LEITE DE TEMPO E DE VENTO

... às vezes quando não estou dormindo nem acordado

(pois é assim que escrevo: arrebatado pelos sentidos)
eu ouço o vento mugindo e vejo o tempo pastando, ruminando
as horas... os textos... os fatos... os acontecimentos...
como o boi pasta e remói a erva do campo; e então
ponho-me a ordenhar o tempo e a puxar verbalmente
as curtas e arrochadas tetas do vento
das quais extraio, quente e espumante, o leite
mais racional que existe, que é a essência dos temas
que antes de serem transformados em poemas
primeiro os faço descer ao centro magmático, convulsivo
e eruptivo do meu ser
que é o lugar onde fica situado o Templo do Assopro
que herdamos de Adão, vulgo Espírito
(os budistas chamam-no Nirvana)
para que ali os mesmos sejam passados purgativamente
pela chama branca do altar que lá existe
para só então, purgados, voltarem à tona, virarem versos
e serem, enfim, apresentados ao público,

a um público que, infelizmente,
está sendo tornado cardiomentalmente

cada vez menos distinto,

como se a humanidade inteira,

salvo raríssimas exceções,

tivesse sido completamente

abduzida biochipada...

José Lindomar Cabral

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